AMOMIF no Workshop de reflexão sobre Financiamento a Empreendimentos Rurais

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AMOMIF no Workshop de reflexão sobre Financiamento a Empreendimentos Rurais

– Intervenção de António Souto, Presidente do Conselho de Direção da AMOMIF

Bom dia a todas e a todos,

É uma honra poder participar neste workshop de reflexão sobre os instrumentos de financiamento do Rural Enterprise Finance Programme – o REFP. Quero, antes de mais, situar a minha intervenção: falo como Presidente do Conselho de Direção da AMOMIF, mas também como alguém que acredita profundamente que o setor de microfinanças é essencial para que Moçambique construa um sistema financeiro mais inclusivo. E esta reflexão é muito oportuna quando há poucos dias, a 6 de Agosto, foi lançada a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira.

O REFP trouxe ganhos importantes, mas também deixou lições que precisamos registar com clareza, para que futuros programas possam ter maior impacto.

1. Enquadramento: a travessia difícil das microfinanças e da AMOMIF

Antes de entrar nos resultados do REFP, permitam-me recordar que a indústria de microfinanças em Moçambique enfrentou, a partir de 2011–2012, uma travessia difícil. O reforço das exigências do regulador, em linha com Basileia II e III, empurrou muitos operadores para a falência ou para o setor informal. De centenas de instituições de microcrédito e dezenas de microbancos que existiam, a maioria desapareceu ou ficou fora do quadro legal. Muitos deles tornaram-se operadores informais.

A própria AMOMIF, criada em 2007, chegou a estar praticamente inativa após o fim de um projeto de apoio da cooperação alemã. Foi graças à mobilização de algumas poucas instituições e parceiros – em especial a Gapi – que a associação foi reconstruída. Eu próprio, numa fase em que me preparava para a reforma, fui “convocado” por colegas para adiar os planos pessoais e ajudar a revitalizar esta plataforma. Hoje, com mais de 50 membros ativos, a AMOMIF está de novo viva e reconhecida. Há um grupo de gestores e praticantes de microfinanças que numa base pro-bono continuam a acreditar nesta associação.

É neste contexto de sobrevivência e reconstrução que devemos entender a importância do REFP.

2. Resultados Positivos

No âmbito do REFP, a AMOMIF beneficiou-se de um apoio estratégico e multiforme, que incidiu em quatro dimensões complementares:

a) Capacitação institucional da AMOMIF

Recebemos um grant para reforço da base institucional, que permitiu apetrechamento e condições mínima de funcionamento da nossa sede. Este investimento consolidou a estrutura organizacional e criou alicerces para voltarmos a ter uma atuação na promoção do microfinanciamento em Moçambique.

b) Assistência técnica às IMFs associadas

  • Foi disponibilizado apoio em áreas críticas: gestão e governação, fortalecimento organizacional e compliance, acesso e uso de ferramentas de gestão, boas práticas operacionais.
  • Também foi oferecida assistência jurídica para apoiar a adaptação ao novo quadro legal do setor (Lei 20/20 de 31 de Dezembro de 2020).
  • Esta assistência multiforme contribuiu para melhorar a resiliência, a transparência e a competitividade das IMFs.
  • Devo, porém, reconhecer que nem sempre fomos capazes de convencer os gestores de IMFs de participarem nestas iniciativas focadas na melhoria da governação das suas instituições.

c) Mecanismos inovadores de financiamento

Em parceria com a Gapi, a AMOMIF concebeu e pilotou o primeiro mecanismo conjunto de financiamento às IMFs, no âmbito do Fundo de Resiliência PME. Este mecanismo beneficiou cinco IMFs, num montante global de cerca de 10 milhões de Meticais, marcando um exemplo na criação de instrumentos financeiros adaptados às necessidades das IMFs e dos seus clientes.

d) Sistema de garantias em negociação

Em articulação com o FECOP, encontra-se em fase avançada um mecanismo de garantias para IMFs, cujo contrato está por assinar. Este instrumento será estratégico para ampliar a capacidade de alavancagem financeira das IMFs, reduzir riscos de crédito e potenciar a inclusão financeira rural.

Estes resultados mostram que o REFP deixou contributos relevantes para a indústria de microfinanças em Moçambique, particularmente no reforço institucional e na criação de instrumentos pioneiros.

3. Limitações da Componente de Financiamento

No entanto, quando olhamos para a componente de financiamento, as limitações são evidentes.

  • Em primeiro lugar, a decisão de canalizar recursos de um projecto de desenvolvimento através de um banco comercial, na qualidade de entidade gestora grossista, em vez de uma instituição financeira de desenvolvimento, desvirtuou a lógica de financiamento ao desenvolvimento. Os repasses feitos por este banco comercial tiveram de obedecer a condições restritivas, sujeitos aos normativos e práticas da banca comercial estritamente supervisionada, limitando a indispensável inovação para ampliar o acesso às microfinanças e aos pequenos empreendedores rurais, particularmente no âmbito dos produtores agrícolas.
  • O acompanhamento das operações revelou-se extremamente caro. A dispersão geográfica dos beneficiários exigiria uma estrutura de assistência técnica que não estava prevista. O resultado foi que os custos recaíram e estão recaindo totalmente sobre as instituições financeiras parceiras. Daí algumas terem recusado a participar mais ativamente neste projeto.
  • Os beneficiários-alvo eram, em larga medida, unidades familiares ou microempresas informais praticando agricultura ou negócios de subsistência. Nâo se teve a devida atenção que o estabelecimento de metas de concessão de crédito em massa não pode ser feito sem se acautelar as responsabilidades legais e reputação dos beneficiários desses créditos no sistema. Isso exige preparação muito específica. Porém, o projecto contratou ONGs para ações de “graduação” que não dominavam os requisitos do regulador financeiro. O resultado foi que muitos beneficiários chegavam às IMFs sem saber o que é juro, taxa de juro, reembolso de prestação, nem que, em caso de incumprimento, ficariam registados negativamente na central de riscos. Este desencontro entre formadores e financiadores transformou-se em desperdício financeiro e geração de falsas expectativas por parte dos chamados “graduados”. Assim, o programa falhou ao separar capacitação do ato de financiamento. Foram gastos recursos significativos em actividades definidas como sendo de formação, mas sem ligação às métricas de desempenho financeiro.
  • Também não podemos ignorar os choques externos: secas e cheias na zona centro e os conflitos no Norte destruíram negócios e reduziram a capacidade de reembolso. Como a linha não tinha fundo de cobertura de risco climático ou político, as instituições financeiras ficaram e estão obrigadas a assumir as dívidas perante o gestor de fundo, que é um banco comercial que, por um lado, talvez por mandato do REFP, impõe às IMFs mutuárias exigências tipicamente de contratos comerciais, sem que ele próprio assuma quaisquer riscos, nem tenha sido capaz de inovar em instrumentos para proteger as IMFs de riscos climáticos ou políticos, como os que vieram a ocorrer.
  • Por fim, muitas Instituições de Assistência Técnica apresentaram planos de negócio frágeis, forçando as instituições financeiras a repetir análises detalhadas. Isto duplicou esforços, aumentou custos e atrasou processos.

Por tudo isto não é difícil compreender a fraca adesão das IMFs a este projecto, que implicou, na prática, uma execução financeira do REFP de apenas cerca de 16% das metas de financiamento originalmente previstas. O desenho da linha não foi adequado às realidades dos empreendedores rurais, em particular da agricultura familiar nem das microfinanças. O desenho do projecto colocou a responsabilidade e risco nas instituições financeiras parceiras que tiveram de lidar com uma entidade bancária comercial operando sem riscos.

4. Evidências para algumas Recomendações

Os inquéritos recentes realizados pela AMOMIF mostram que, para os seus membros, o maior constrangimento continua a ser o acesso a recursos de refinanciamento. Vale destacar que, no decurso do projecto, foi precisamente uma instituição de desenvolvimento – a Gapi – que mobilizou recursos adicionais e criou uma linha de crédito para refinanciar IMFs. Este exemplo demonstra que, quando existe vocação de desenvolvimento, há capacidade para assumir riscos que bancos comerciais normalmente evitam.

Com base nas informações e a experiências que pudemos colher, gostaria de deixar algumas recomendações:

  1. A concepção e implementação de financiamento a segmentos de alto risco, pressupõe instrumentos e produtos adequados que não é tarefa nem é prática de bancos comerciais. E contudo, sem acesso a financiamento adequado, as IMFs não conseguem cumprir plenamente o seu papel de inclusão financeira rural.
  2. Integração da capacitação com o desempenho financeiro – a formação e assistência técnica não podem ser dissociadas da performance dos beneficiários. Os pagamentos às entidades de AT devem estar condicionados também ao sucesso financeiro dos clientes, medido pelo cumprimento das obrigações de crédito e sustentabilidade do negócio. Declarações de beneficiários “graduados” emitidas por terceiros não dizem nada para quem tem de assumir o risco do crédito. Sem partilha clara de responsabilidades na monitorização pós-financiamento e incentivos ligados à performance os recursos gastos em formação não se reflectem em maior financiamento. É por isso necessário avaliar-se a alta taxa de execução em “graduações” contra o que se verificou em financiamento.
  3. Ferramentas de avaliação de risco adaptadas – scoring específico que inclua perfil de literacia, historial comunitário e capacidade real de pagamento.
  4. Mecanismos de mitigação de risco – fundos de contingência climática, produtos de seguro agrícola e protocolos de emergência para zonas de instabilidade.
  5. Monitoramento remoto digital – uso de tecnologias móveis e plataformas digitais para reduzir custos de acompanhamento.
  6. Capacitação técnica interna das IFs – desenvolver competências próprias para reduzir dependência de apoios externos.

E, no plano da aprendizagem organizacional:

7. Documentar sistematicamente casos de insucesso, para identificar padrões de risco precocemente.

5. Conclusão

  • O REFP trouxe ganhos institucionais importantes, especialmente para a AMOMIF e algumas IMFs;
  • Mas a componente de financiamento ficou claramente aquém, alcançando apenas uma fração das metas (cerca de 16%) e falhando ao não adaptar o modelo às realidades da agricultura familiar e das microfinanças;
  • A principal lição é que futuros programas devem integrar capacitação e financiamento, prever mecanismos de mitigação de riscos e envolver instituições com vocação de desenvolvimento.

Nota final: a AMOMIF afirmou-se como um parceiro importante para a implementação da nova Estratégia Nacional de Inclusão Financeira, anunciada no passado dia 6 de Agosto. Mas para que possamos ser realmente úteis como entidade agregadora e apoiante desta estratégia, será necessário mais apoio à associação e à indústria de microfinanças.

Fecho com esta ideia: se quisermos que o financiamento rural seja inclusivo e transformador, precisamos de modelos concebidos pelos que já comprovaram saber fazê-lo e que reffitam a realidade da esmagadora maioria dos empresários rurais e fortaleçam as nossas instituições de microfinanças.

Muito obrigado.

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