Apostamos na digitalização para maior inclusão financeira do sector informal
– Maria Isabel Lubrino, Proprietária da Yaamukela microcrédito
A rubrica Perfil desta edição, conversa com Maria Isabel Lubrino, proprietária da YAMUKELA, uma instituição de microfinanças com pouco mais de uma década de mercado e que, nas suas palavras, aposta na digitalização para maior inclusão financeira do sector informal, com particular destaque para as mulheres e jovens.
Lubrino, que foi funcionária bancária, é também membro do Conselho de Direcção da AMOMIF- Associação Moçambicana de Operadores de MicroFinanças, organização que luta pela afirmação e melhoria das condições de actuação dos operadores deste sector, para que melhor possam contribuir para a inclusão e literacia financeira financeira em Moçambique. Acompanhe!
F4SD: Quem é Isabel Lubrino?
Isabel Lubrino: Chamo-me Maria Isabel Lubrino. Estou reformada da banca e enquanto trabalhava, decidi que no dia que me reformasse, tinha que fazer algo que eu gosto, que entendo e que seja útil para o meu país. Foi daí que surgiu a ideia de que poderia trabalhar em microfinanças. Em 2012, solicitamos a autorização ao Banco Moçambique para fazer a inscrição como operadores de microcrédito e fomos autorizados. Mas eu ainda estava no activo, nessa época. Então, não tinha pressa e só em 2013 é que demos o início da actividade aqui em Maputo. E, nessa altura, tinha um trabalhador só, que ia fazendo uma actividade e outra, um cliente e outro. Mas, tendo em conta que eu sou de Gaza e frequento a província, fui espalhando a notícia e acabamos expandindo as actividades para lá.
F4SD: E como se designa a empresa?
IL: Yamuquela Microcrédito. Ela surge para ajudar a fortalecer um sector que ainda precisa muito de crescer. Nós, em particular, damos preferência a mulheres, jovens e empresários. Privilegiamos também os funcionários públicos. Porque temos um contrato com a CEDSIF e conseguimos um acordo que facilita os desconto daqueles trabalhadores.
F4SD: Como é a estrutura da empresa?
IL: Em termos de estrutura, temos cinco colaboradores: três a tempo inteiro e dois contratados. São eles que fazem as cobranças. Além disso, temos um acordo com um escritório de advogados para nos apoiar. Por vezes, é necessário recorrer a processos no tribunal, mas lamentamos que muitos desses processos estejam parados há muito tempo e não avançam.
F4SD: E como é que tem sido o desempenho destes outros que não são funcionários públicos? O mercado tem se queixado muito dos créditos não parados.
IL: Nós também nos queixamos. Temos dois produtos em termos de maturidade: um de 30 dias e outro de mais de 30 dias. O de 30 dias é um pouco mais fácil de gerir, porque em 30 dias o pagamento tem de ser feito. Mas os créditos com prazos superiores a 30 dias são mais complicados. Imagine, na época da COVID, em que todos enfrentaram problemas. A nossa carteira também foi afectada.
F4SD: Como é que sobrevivem a estes créditos mal parados?
IL: Esse é um grande dilema porque ameaça a nossa liquidez. Nós tivemos acesso a fundos da banca. Já pode imaginar o que é a taxa comercial. Nós também tivemos recursos do FARE, que agora trabalha com taxas de juro comerciais e nós devemos pagar.
F4SD:: Falando em juros comerciais, como são as vossas taxas?
IL: Variam de um dígito a dois dígitos. Temos taxas de um dígito para o sector de pescas e dois dígitos para os outros. Portanto fazer micro crédito não é fácil, sobretudo porque não colectamos dinheiro de depositantes. Temos o desafio constante nas nossas operações.
F4SD: Qual é a vossa relação com a AMOMIF?
IL: Somos membros e fazemos parte do actual Conselho de Direcção.
F4SD: Quais são as vantagens de se ser membro?
IL: Nós nos filiamos à AMOMIF em 2018. Mas, o processo iniciou antes, através de uma aproximação com outros operadores. É quando soubemos da existência da AMOMIF. E solicitamos a inscrição, porque já nessa altura falava-se das vantagens de ser membro da AMOMIF era se beneficiar de formações, além de que juntos, mais facilmente conseguimos resolver assuntos que nos preocupam como operadores. Falo de assuntos como cobrança de dívidas, taxas, aproximação com o regulador, por causa da legislação, dentre outras.
F4SD: Quais são os principais constrangimentos que vocês, operadores de microfinanças, enfrentam? Quais são os principais desafios?
IL: Além dos aspectos que já indiquei, é o ajustamento da legislação. Aliás, por causa desse particular, a AMOMIF criou um serviço jurídico para apoiar os seus membros a perceberem o em que é que se deve prestar atenção nesta nova legislação. A capacitação dos membros é também muito importante. Nos últimos anos a AMOMIF promoveu várias formações extremamente importantes. Não digo apenas que são boas, mas sim que são pertinentes e fundamentais para as nossas instituições. Há, por exemplo, formações sobre os indicadores de cada instituição, sobre a criação de um plano de contingência e sobre o processo de recuperação de crédito. Estas formações acrescentam muito valor aos membros.
F4SD: Qual é a cobertura geográfica da AMOMIF?
IL: Nós temos membros em todas as províncias. E o actual exercício é angariar mais membros.
F4SD: Como é a vossa relação com o regulador?
IL: Eu diria que está bem. Mas precisamos de melhorar. Temos sido convidados aos Conselhos Consultivos do Banco de Moçambique (BM) anualmente, há também as reuniões de inclusão financeira que temos participado, pelo que fica claro que nos tem como parceiros. Recentemente recebemos uma visita na AMOMIF. Nós estamos a nos preparar para ter ainda melhor aproximação com eles.
F4SD: E como é que avalia a actuação da sua empresa e das outras microfinanceiras neste esforço de inclusão financeira?
IL: Eu acho que estamos a ter um impacto desejável. Com limitações de recursos, mas estamos a trabalhar. Estamos no campo. Conseguimos na medida do possível adicionar valor àquelas senhoras e jovens que não têm capacidade de ir à banca comercial, sobretudo nas zonas recônditas. A AMOMIF, em parceria coma Gapi está também a contribuir para a inclusão através da digitalização que vai ajudar a alcançar mais pessoas. Como AMOMIF actuamos também, como agremiação e através dos nossos membros, na literacia financeira.
F4SD: O que gostava de ver mudar neste mercado de microfinanças? Quais são os grandes pontos que acha que precisam ser mudados para que a actividade seja mais dinamica?
IL: Está a haver uma revisão da legislação, mas deve ser mais célere porque parte dela está desajustada. Gostava de ver adoptados mecanismos que facilitem e flexibilizem o acesso aos recursos. Isso é algo que a AMOMIF já está a afazer, com a assinatura de alguns acordos com alguns parceiros.
F4SD: Está a falar do recente acordo com a Gapi e a USAID?
IL: Exactamente. É uma outra facilidade.
F4SD: Em que consiste esse acordo com a Gapi?
IL: Trata-se de uma linha de crédito designada Microfin-Resiliente que passa a estar ao dispôr dos membros da AMOMIF, para financiarem micronegócios, através do reforço das respectivas necessidades de tesouraria. A disponibilização desta facilidade resulta de um acordo de cooperação com a Gapi, ao abrigo do Fundo de Resiliência para Micro, Pequenas e Médias Empresas afectadas por ciclones e pela Covid 19. Outro aspecto positivo é que os nossos membros vão melhorar também a sua gestão, porque a Gapi irá fazer um due deligence, que vai ajudar os membros a melhorarem os seus relatórios de gestão, prestação de contas para aqueles que não tenham contas organizadas, e por via disso vai melhorar também a monitoria aos micro-projectos que serão beneficiados. Por fim dizer que este é mais um contributo que fazemos no esforço colectivo de se melhorar a inclusão financeira.
F4SD: Depois de ter trabalhado tantos anos no Banco, está a 11 anos neste negócio, qual é a avaliação que faz?
IL: A avaliação é positiva, apesar do grande desafio que foi a COVID. Durante a COVID nós não despedimos ninguém, tivemos que nos ajustar, mas a situação foi crítica. Já não haviam desembolsos porque não havia condições. A carteira conheceu dias dificeis, mas em 2022 a situação começou a mudar e os resultados no ano passado mostraram uma tendência de se tornarem positivos.
F4SD: Um último comentário? Estamos ao seu dispor para ouvi-la.
IL: Como membro da Direccção da AMOMIF, quero fazer uma mensão ao esforço que a Gapi tem feito. Desde que assumiu a Presidência, notam-se claros sinais de crescimento e maior visibilidade da nossa agremiação. O desafio agora é buscar mais membros para a nossa congregação. Como Direcção, estamos a tentar fazer o máximo para que termine o nosso mandato com aqueles objetivos estratégicos que estão lá, implementados.
Como Yamukela, uma palavra de apreço aos nossos clientes que, a despeito das várias dificuldades, ainda honram os seus compromissos. É que a maior percentagem dos nossos clientes operam no sector informal e todos sabemos as dificuldades que enfermam as suas actividades.